Alexandre Sá, Ana Tereza Prado Lopes, Fernanda Pequeno, Gustavo Barreto
“Tudo isso está muito bem dito — respondeu Cândido,
— mas devemos cultivar nosso jardim.”
Voltaire
Cândido, ou o Otimismo é o nome da exposição comemorativa de quarenta anos da Galeria Candido Portinari, completados em 2024. A exposição ocupa as duas galerias e o Campus Maracanã. E envolve um conjunto de ocupações em outros campi, bem como ativações com atividades diversas durante sua temporada. Em alinhamento com a proposta conceitual para o ano de 2025 do Departamento Cultural da UERJ, a exposição busca refletir e problematizar as relações entre a universidade e os ecossistemas possíveis; aqui compreendidos como diversos universos humanos e não-humanos. Interessa-nos pensar quais são as possíveis combinações entre corpos, paisagem, arquitetura, ciência, cidades e memória.
Embora possa parecer consideravelmente ampliada, a exposição tem uma preocupação conceitual específica: a possibilidade de construirmos coletivamente um pensamento- floresta. A partir da experiência vegetal, apostamos em um conjunto de sinapses e de eletricidades que nutrem cada trabalho e que ao mesmo tempo, alimentam as redes de relações e afetos entre si. Nesse sentido, não se trata unicamente de um conjunto de trabalhos que versam sobre a natureza, mas de propostas artísticas que são capazes de discutir suas próprias naturezas e seus processos de construção e/ou desfazimento.
O interesse é erigir uma atmosfera poética que reflita um pequeno legado da História da Arte dentro de uma certa tradição brasileira. Se na Galeria Candido Portinari propomos um conjunto de obras que lançam algumas perguntas no espaço e não necessariamente estabelecem vínculos com uma figuração mais estrita ou com um discurso mais diretivo, além de guardarem como conjunto, uma diminuição pictórica proposital; na Gustavo Schnoor dispomos os trabalhos em que a relação com o corpo e com o reconhecimento da figura como imagem é mais contundente. Nesse sentido, as duas galerias complementam a experiência proposta aqui. Por outro lado, apostando em certo paradoxo, tal separação é fraturada em favor de uma narrativa ampliada e incapturável que o espectador construirá de acordo com sua leitura, atenção e tropeços poéticos, inclusive nos trabalhos que estão fora das galerias.
Além desta orientação que norteou a escolha dos artistas, a participação na história da universidade foi também um eixo importante da curadoria, já que a maior parte dos integrantes teve ou tem uma relação direta ou indireta com a UERJ. Uma floresta não surge de um dia para o outro e tampouco sobrevive sem renovar a si mesma. De todo modo, o que de fato mais influenciou tais nomes, foram os trabalhos que são desenvolvidos na articulação entre pesquisa e invenção, como se propusessem uma constelação em aberto. O trabalho de pesquisa como um conjunto de redes (de frente para o mar) ad infinitum.
Além dos 40 anos de existência da Galeria Candido Portinari, comemoramos em 2025, os 75 anos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Também comemoramos os 90 anos de Lélia González e os 25 anos da Lei 3.524/2000 que introduziu o sistema de cotas, pioneiro no país. Tal comemoração é justa pela sobrevivência ao tempo, pela resistência às macropolíticas de destruição da universidade pública e gratuita, pela produção de qualidade e pela luta constante em investir fortemente na pluralidade dos corpos. E talvez, um pouco mais recentemente, pela lúcida resistência aos processos de pasteurização e a um determinado tipo de fantasmagoria política que goza do poder a todo custo.
O título da exposição replica o título de um conto filosófico de Voltaire, publicado em 1759 sob o pseudônimo de Senhor Doutor Ralph. À época, o livro causou certo furor pelo deboche, pela supressão da dor através do riso e pela agudeza crítica às instituições. Em Cândido, ou o Otimismo, a alegria de sua personagem principal, inclusive na fé na bondade das pessoas, termina lhe provocando um conjunto de catástrofes e pequenas tragédias, lembrando que o otimismo também pode ser, dependendo do caso, um blefe.
Por último é importante terminar pedindo desculpas por nossas falhas eventuais, pelos artistas que não pudemos convidar e pela história da arte produzida na UERJ que talvez não tenhamos sido capazes de contar. A quantidade de artistas, gestores, pensadores e críticos que passaram por aqui é imensa. A el_s, nosso enorme agradecimento. Além disso, esta exposição só aconteceu graças ao trabalho gigante de diversos setores desta universidade que se reuniram em prol de um bem maior: o diálogo, o afeto, a elegância e o pensamento-floresta. Agradecemos por podermos, de fato, fazer História.